terça-feira, 7 de junho de 2011

Eu estudo essa grande invenção que é a sociedade

Foto 1 - Deus inventando o homem segundo Michelangelo

Resolvi escrever esse texto para tentar encerrar de uma vez por todas aquele assunto que sempre emerge quando eu conheço alguém novo. Uma pergunta clichê é saber o que diabos a nova pessoa faz da vida, e quando eu digo que estudo Ciência Política, e que sou formado em Ciências Sociais, várias reações nascem. A principal e imediata é perguntar o que uma pessoa que estuda isso faz, mas na verdade, o que se queria perguntar era: Qual a importância disso? E a pergunta fica sempre sem resposta, porque não vou usar o meu latim com isso no meio de uma festa. Pois bem, vou contar uma historinha.

Como esse texto não tem finalidades acadêmicas, vou furtar-me ao direito de ir direto ao ponto. A sociedade não é o reino de fatos concretos e brutos. Na verdade, ela é a manifestação de crenças e visões de mundo. Ela é regida por idéias e formas imaginárias de organização e convivência. A verdade é que a sociedade é uma grande invenção. Normalmente, a palavra invenção é empregada com bastante facilidade para o domínio da técnica, da engenharia. Então se sabe que Santos Dumont inventou o avião, que Thomas Edison inventou a lâmpada elétrica; e que Antonio Meucci inventou o telefone. No entanto, a palavra invenção tem lugar fundamental no domínio das coisas culturais, políticas e sociais.

Vamos pegar um exemplo da história, como a Revolução Americana de 1776. Ela representou uma ruptura dos colonos americanos com a Coroa britânica, não necessariamente por motivações nativistas, mas pela existência de uma sobrecarga de impostos. O anseio dos membros das treze colônias era por uma maior participação nas tomadas de decisões que vinham de Londres. A idéia era mais ou menos essa: sem representação/participação política não há taxação. Findada a revolução, e ocorrida a separação, os agora, americanos, precisavam inventar novas instituições para controlar a desordem que estava instalada no nascente País. Diante disso, sabia-se o que não se desejava criar: 1. Um sistema absolutista, contra o qual tinham acabado de lutar; e 2. Uma democracia, que no séc. XVIII não possuía um significado positivo como atualmente. A grande sacada dos ‘pais da nação americana’, em especial Madison, é a invenção de um sistema onde a maioria escolhe a minoria que vai governá-la. Essa idéia que hoje parece trivial, na época era genuína e inédita, ou seja, a escolha de representantes era algo sem nenhum tipo de precedência na história.

Nesse sentido, a ‘representação política’ não é um dado da natureza, como é a gravidade, que existe independentemente da vontade humana. A idéia de representação foi inventada, possui um inventor, da mesma forma que os direitos humanos também o tem, e assim por diante. Um cientista social preocupa-se com essas invenções, seu surgimento, suas características, conseqüências e mutabilidade. Nos interessa, por exemplo, as instituições políticas, a criação do Estado, as relações de trabalho, de gênero e raciais, a religião e a economia, dentre vários outros campos de atividade humana. Assim, o efeito dessas invenções é a configuração de formas de organização da sociedade. E a depender dessa configuração política, cultural, ideológica, ela terá uma formatação específica.

Por isso, da próxima vez que indagado sobre o que você faz, meu caro colega, cientista social, responda, sem modéstia: Eu estudo essa grande invenção que é a sociedade.